segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Você sabia? Brejo Santo e os primórdios do seu Carnaval

Aspecto do Carnaval de rua de Brejo Santo em 1972.
Foto: Arquivo Secultebs.

    O Carnaval é reconhecido mundialmente como uma das festas populares mais animadas e representativas da cultura brasileira. 

    Nossa festança típica, na verdade, tem origens portuguesas, no chamado “entrudo”. Ele, que acontecia no período anterior à Quaresma, chegou ao Brasil por volta do século 17 e se tratava de uma festa popular na qual as pessoas brincavam jogando água, ovos e farinha umas nas outras. Nessa época, países como Itália e França já comemoravam o Carnaval em formato de desfiles urbanos e contavam com os típicos personagens Pierrô e Rei Momo.

    Por volta do século 19, no Rio de Janeiro, a prática do entrudo passou a ser criminalizada, principalmente após uma campanha contra a manifestação popular. Sem a festa de rua, a elite do Império começou a se organizar, criando bailes de Carnaval em clubes e teatros. Também foi criado o Congresso das Sumidades Carnavalescas, que passou a desfilar nas ruas da cidade carioca. Enquanto o entrudo era reprimido, a alta sociedade imperial tentava tomar as ruas.

    No final daquele mesmo século, as camadas populares do Rio de Janeiro também começaram a organizar suas práticas carnavalescas, recuperando a tradição das festas de rua antes da Quaresma. Surgiram, então, os primeiros blocos carnavalescos e cordões, um movimento totalmente organizado pelo povo, que desfila pelas ruas com carros decorados ao estilo de uma grande e animada procissão, carregada de manifestações populares: foi início do movimento que hoje conhecemos como blocos de rua.

    Já no século 20, surgiram as primeiras marchinhas de Carnaval, como “Ô Abre Alas” e “Pierrô e Colombina”, tornando a festa um evento ainda mais animado e caracterizando o Carnaval que conhecemos hoje!

    Brejo Santo, como todo o Brasil, ama o carnaval e na década de 1950 não era diferente. O povo que trabalhava o ano inteiro aproveitava o período carnavalesco para divertir-se dançando livremente pelas ruas ou nos bailes noturnos.

    Não há registros de escolas de samba ou blocos carnavalescos organizados. Havia, porém, cordões de foliões que pelas ruas da cidade extravasavam sua alegria com fantasias femininas, tipos característicos regionais e brincadeiras engraçadas, algumas com duplo sentido não especificamente voltado para o tema sexo.

    Ao som do frevo “Zé Pereira”, aquele grupo alegórico pulava, corria, dançava e até assustava as famílias, entrando porta à dentro, buscando aperitivos e fazendo brincadeiras cômicas. 

    Os bailes noturnos eram um luxo. Fantasias de cetim colorido, onde as cores e o brilho se misturavam nos babados bem franzidos das saias rodadas e dos coletes justos, das mulheres. As camisas dos homens também eram de cetim vermelho, amarelo, azul, verde com franjas de torçal ou figuras geométricas, enfeitando-as. Os tecidos floridos também eram bem aceitos.

    Enquanto os adultos dançavam, as crianças apreciavam o espetáculo do lado de fora da grande madeira que cercava toda a calçada do salão do baile, ao lado da Sorveteria Flórida e em frente à Praça Dionísio Rocha de Lucena.

    Em meados dos anos 1960, precisamente, a partir de 1967, após a criação do bloco O Cabeção, o carnaval de rua se destaca ainda mais com o surgimento de escolas de samba e bloco de carnaval para abrilhantar o carnaval da cidade. Para o carnaval de 67, os sócios do Brejo Santo União Clube formam a escola de samba União. Os universitários formam o bloco BS e torna-se rival do União. Deda Rufino funda a escola Calhambeque, com a participação dos trabalhadores das oficinas de veículos, espalhadas ao logo da rodagem. Na periferia, formam também escolas, que se destacaram pela musicalidade e qualidade das apresentações. Na Rua da Lama, Jacu cria a escola Chora Ninguém, com a participação de Estropele, um dos fundadores do O Cabeção. No Serrote, Mangaratiba funda a escola Cacareco, junto com familiares de Sabina. 

    Foi a partir desse período que o carnaval de Brejo Santo se torna destaque na região do Cariri. A cidade tranquila e pacata, se torna rota turística para os foliões de outras cidades, como Barbalha, Juazeiro do Norte e Crato.

    Os desfiles dos blocos e escolas eram o destaque da festa. E a Praça Dionísio Rocha de Lucena ficava lotada para o povo ver os passistas, os uniformes, os músicos e pular ao som das marchinhas e frevos tocados pelas charangas. A festa popular se estendia desde o quadro do comércio velho, hoje a Escola Padre Pedro Inácio Ribeiro, até a sede da escola Calhambeque, localizada no prédio do antigo Cine Avenida, hoje a loja Macavi. Perto do Bar Caldeira do Inferno ficava armado o palanque para o julgamento e os jurados escolhiam a melhor escola e sua rainha.

    Além da sede da escola Calhambeque, os bailes também aconteciam no Brejo Santo União Clube. Salão dos grandes e memoráveis carnavais de Brejo Santo, foi palco de grandes bailes e festas dançantes, lugar de memória, de muitas histórias e inúmeros eventos que reuniram a sociedade brejo-santense. Desde a sua inauguração, ocorrida em outubro de 1964, o Clube, como é conhecido, é o espaço que nos reserva lembranças, afetos, amores, e nos desperta saudades.

    Os bailes no Clube se davam por conjuntos formados por músicos da região, principalmente de Crato e Juazeiro do Norte. Mas os famosos bailes no Clube também já foram animados com orquestra de frevo, vindo de Recife.

    Os desfiles duraram por volta de cinco anos. Após 1972, quando algumas Escolas de Samba e o Bloco BS deixaram de existir, entrando para a História como registro de memória das manifestações populares mais marcantes do nosso povo.

Escola de Samba União - 1967

    A Escola de Samba União foi a primeira agremiação carnavalesca na cidade, criada para o carnaval 1967. Representava o Brejo Santo União Clube. Os ensaios aconteciam em um pequeno prédio localizado no centro comercial da cidade, ao lado da antiga Casa Costa. A escola era formada por senhores e rapazes maduros. Era o bloco sério e formal e usavam quatro trajes tradicionais, um para cada dia de desfile. Os primeiros ensaios contavam com os percursionistas Luís Madeiro, Amadeu, Chico Andorinha, Chico de Sinésio e Mestre Adísio, contando também com a participação de Zezinho Moreira, Euclides Patrício, professor José Teles, Iderval Santana, Zé Tirí, Geovane Teles, João de Louro, Meu Bu. Dr. Zenaldo, Ribamar (Bar) e Antônio Carlota. As sambistas eram Hélia de Manoel Mendes, Fátima de Neco Matias e Camila de Geraldo Vidal. 









Fotos: Arquivo Secultebs.


Bloco BS (Bloco Brejo Santo ou Bloco Socialista) - 1967

    O Bloco BS foi criado pelos universitários, após os sócios do Clube fundarem a Escola de Samba União e tinha duplo significado: Bloco Brejo Santo e Bloco Socialista. Nos desfiles de rua daquele tempo, o Bloco BS desfilava primeiro. A garotada dava a volta na Praça Dionísio Rocha de Lucena e ia unir-se à Escola Calhambeque, em sua sede que ficava em frente à Praça. O Bloco BS era formado, dentre eles, por Bezerrinha, Dr. Erivaldo Santana, Zé Carlos, Chico Nunes, Chico Ambrósio (Dr. Lucena), Haroldo Miranda, Chico Dantas, Juvenal, Dr. Anselmo, Elce e Micalce Santana.

Escola de Samba Calhambeque - 1968

    Deda Rufino, conhecido mecânico da cidade, se reuniu com os proprietários e trabalhadores das oficinas de veículos, junto aos borracheiros, graxeiros e frentistas de bombas de gasolina e formaram a Escola de Samba Calhambeque, uma das agremiações mais populares da cidade. Possuía sede própria: o salão do antigo Cine Avenida, em frente à Praça Dionísio Rocha de Lucena, onde hoje se localiza a loja Macavi. Seus bailes eram animados com um conjunto musical. Justino, Nezinho DuBreu, Waldeney Bastos (Waldeney do Ônibus) e Zé Alencar, casado com a irmã de Gonçalo, eram alguns dos seus foliões. 

Escola de Samba Chora Ninguém - 1968

    A escola de Samba Chora Ninguém era dirigida por Geraldo Miranda Lopes, popularmente chamado por Jacu, que também era grande craque de futebol e pintor. Natural de Barbalha, veio ainda criança para Brejo Santo, casando e constituindo família.

    A sede da Escola Chora Ninguém ficava no bar de Jacu, localizado na Rua da Lama, hoje Rua Padre Abath. Ali se ensaiavam os bailes da escola. Zé Boris foi um dos destaques da Chora Ninguém, se tornando o melhor sambista desses carnavais. Após o término da escola Chora Ninguém, os foliões formam a Escola de Samba Café com Pão, em 1986.

Escola de Samba Cacareco - 1968

    A Escola de Samba Cacareco ficava no Serrote, hoje bairro Alto da Bela Vista, tendo como destaque os foliões Mangaratiba e os familiares de Sabina, conhecidos moradores do lugar. Participavam também João Caboré e Juscelino Rufino. As brincadeiras e desfiles se realizavam no próprio Serrote.

Escola de Samba Padre Viana – 1978/1979

    No final dos anos 1970, José Gilson Santos, mais conhecido por Gilson Bar, organiza uma escola de samba para homenagear o Colégio Padre Viana. Utilizando os instrumentos da famosa fanfarra do colégio, movimentou os carnavais de rua de Brejo Santo nos anos de 1978 e 1979. O uniforme da escola Padre Viana era composto de camisa, calça jeans e tênis, além de um chapéu de palha como acessório.

    Próximo ao Bar Caldeira do Inferno, quando a Praça Dionísio Rocha de Lucena não havia se tornado um calçadão e as ruas eram abertas, estava acontecendo um evento cultural e por isso tinha fixado ao chão, um contêiner com tablado do MEC (Ministério da Educação e Cultura). 

    O locutor ficava em cima do tablado, apresentando as Escolas de Samba. A percussão da Escola Padre Viana com mais de vinte integrantes, se destacava e chamava atenção da população.  A Escola Padre Viana saia aos domingos e terças-feiras de Carnaval, sempre a tarde.  Uma vez saiu também na segunda-feira.

    A Escola Padre Viana ficou marcada como mais uma Escola de Samba a entrar na História e nas memórias afetivas de nosso povo (1).

Escola de Samba Calhambeque – Anos 1980 e 1990

    Nos anos 1980, Francisco Gomes Cavalcante, mais conhecido por Chiquinho de Pitú, organiza a Escola de Samba Calhambeque. Apesar do mesmo nome, esta agremiação não tinha relação com a Escola Calhambeque formada na década de 1960. A sede da nova escola ficava no bar de Chiquinho de Pitú, o famoso BreCraRio: esse conhecido jargão se formou a partir da abreviação das três cidades em que Chiquinho morou: Brejo Santo – Crato - Rio de Janeiro. 

    Os desfiles das escolas Calhambeque e Café com Pão eram a culminância do carnaval de rua da cidade, fazendo a alegria dos foliões entre os anos 80 e 90.


Foto: Acervo de Cláudio Lins Cavalcante.


Escola de Samba Café Com Pão - 1986

    A Escola de Samba Café com Pão foi criada em 1986 por um grupo de amigos que já participavam nas charangas carnavalescas em outros blocos e escolas de samba, após o término das atividades da Escola de Samba Chora Ninguém.

    Com apoio de patrocinadores, os primeiros instrumentos musicais da escola foram adquiridos na loja BD Musical, em Fortaleza.

    A sede da Café com Pão também ficava na Rua da Lama, na casa de Deusimar e os ensaios eram sempre lotados, ficando sob os comandos dos maestros Zé Boris e o Velho Chico. Os desfiles oficiais saíam da sede da escola, acompanhado pelo povo, que lotava as ruas e calçadas por onde passava.

    A escola Café com Pão desfilava com Porta Bandeira, Mestre Sala e claro, as alas dos sambistas. Por serem mais arrojados e organizados, se sagravam campeões do carnaval em Brejo Santo quase todo ano. Foi nesse período que Zizí de Peraí se tornou famosa sambista e porta bandeira nos carnavais de rua de Brejo Santo.

    Dentre os vários participantes, se destacavam: Ximba, Deusimar (Moita), Zé Boris, Véi Chico, Nego Afrânio, Senhor (Chibata), Robertão, Danga, Cochila, Toinho e Assis de Mestre Chico, Zé Brilhoso, Mangaratiba, Leomar e Bastião “Brega Bar”.

    Os desfiles das Escolas de Samba Café com Pão e Calhambeque, de Chiquinho de Pitú, eram a culminância do carnaval de rua da cidade, fazendo a alegria dos foliões entre os anos 80 e 90.












Fotos: Acervo de Vicente Emídio de Sales (Ximba).



Notas

(1) - Entrevista realizada com José Gilson Santos (Gilson Bar), por Maria de Fátima Araújo Teles - disponível em https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=5575142799179813&id=100000524430762 - acessado em 28 de fevereiro de 2022.

Referências

LEITE, Maria Santana; Reminiscências; Gráfica Universitária; Brejo Santo; 2000;

MACÊDO, Lenira; Recortes de Vidas; Crato; Tipografia Cariri; 2006.

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