terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

O FOGO DAS GUARIBAS E OS HOMENS DO SALVATERRA

 

Antônio Gomes Grangeiro, dono do Sítio Salvaterra, em Brejo Santo, uma localidade próxima a Guaribas, numa relação que diante dos relatos e depoimentos, não era totalmente sadia, o que seguia em certa medida o padrão das relações que envolviam os coronéis de outrora. Grangeiro estava há algum tempo envolvido em disputa de terras com José Franklin de Figueiredo, o José Franco; segundo o depoimento de D. Raimunda Grangeiro, última filha viva de Antônio Grangeiro, o pai não havia até o momento buscando meios violentos de resolver a demorada peleja, mas isto não impediu que Chico Chicote, com a desculpa de tomar as dores do amigo, assassinasse José Franklin, causando a ira de Sinhô (Sebastião) Salviano, cunhado do falecido, que diante da fama e capacidade de Chicote, preferiu se retirar para Princesa Isabel, na Paraíba, onde buscou o apoio de José Pereira Lima, o maldito Zé Pereira de Princesa, que o ajudou a montar um pequeno exército de jagunços, e a fazer contato com o Tenente Zé Bezerra, que ficaria responsável por dar ares de legalidade a ação, atendendo assim aos interesses particulares dos coronéis. (JÚNIOR, 2019).

Em meados de fevereiro de 1927, Lampião e seu bando entrou no Cariri cearense por Jati (outrora Macapá), passou pela fazenda Piçarra, onde ouviu as novidades comunicadas por “Seu Tonho”, relatando movimentos das volantes. Tangenciou Porteiras e Brejo Santo, subindo a Chapada do Araripe totalmente livre de perseguição, foi visitar a propriedade de Antônio Gomes Grangeiro, no sítio Salvaterra, uma área de 300 hectares situados com cafezal, cana e gado, localizado na zona serrana do Brejo. Lampião procurou o proprietário, mas este conseguira fugir ao perceber a  aproximação do bando – Antônio Grangeiro tinha sido um dos signatários de um abaixo-assinado reclamando providências contra a insegurança da região. Dona Maria Celina Grangeiro, esposa de Antônio, informou que o marido estava viajando e ofertou uma cesta de mangas para Lampião e seu bando desfrutarem. Virgulino, desconfiado que a mulher estivesse mentindo, disse:

- Eu sei que seu Antônio é amigo de Chico Chicote. Diga a ele, dona, que não precisa ter medo deu, não. Ele precisa é ter cuidado é com “os bonzinhos” que vem aí atrás...

Subornado pelo grupo de Sinhô (Sebastião) Salviano e utilizando da justificativa de vir dar cabo ao Rei do Cangaço no Cariri, o tenente José Gonçalves Bezerra, um dos maiores bandidos-autoridades de que já teve notícias no Ceará, saiu de Brejo Santo na madrugada de terça-feira, 1° de fevereiro de 1927, comandando uma volante com 70 praças, como auxiliar o Sargento-Tenente Veríssimo Alves Gondim. A tropa chegou ao sítio Salvaterra antes do amanhecer, cercando o casarão de Antônio Grangeiro, quando então cometeu os maiores e mais bárbaros crimes ocorridos no Ceará, sobre o que nem foi aberto inquérito.

O casarão foi invadido e a seguir, sob a brutal e súbita violência, Antônio Gomes Grangeiro e seus cabras, João Grangeiro (Louro Grangeiro), seu sobrinho; Aprígio Temóteo de Barros e Raimundo Madeiro Barros (Mundeiro) foram dominados fisicamente, com as mãos e pés amarrados com cordas. Estes entraram para a história como os homens do Salvaterra.

Feito o aprisionamento de Antônio Grangeiro e seus homens, a tropa prosseguiu para as Guaribas levando os quatro prisioneiros. Ao atingir cerca de dois quilômetros após o sítio Simão, já em Porteiras, houve um "pequeno alto". O Ten. José Bezerra instruiu a retaguarda do grosso da volante cearense que os prisioneiros ficassem escoltados e aguardando as orientações após o fim do ataque dramático e sangrento, nos domínios de Chico Chicote.

Após o fim ao cerco da casa grande das Guaribas, já na tarde do dia dois de fevereiro, devidamente instruído, o cabo João Joaquim de Moura, conhecido como Joaquim da Conceição, degolou os quatro prisioneiros, cujos cadáveres, num só bloco, foram incinerados numa fogueira, cobrindo-os com galhos e folhas, previamente ensopada de álcool.  Dona Maria Celina, esposa de Antônio Gomes Grangeiro, viria a falecer posteriormente durante um parto.

Totalmente destroçada, a família Grangeiro mudou-se para Fortaleza e São Luiz do Curú e, no desdobramento dos tempos, aos poucos, como que saindo daquele terrível pesadelo, João Gomes Grangeiro, um dos onze filhos de Antônio Gomes Grangeiro, nascido em 1914 e aos doze anos vendo o assassinato do seu pai, tornou-se um homem de posses, sócio da Usina de Açúcar do Vale do Curú e, posteriormente, empresário das lojas de material elétrico de Fortaleza, “Eletro Grangeiro”. João Gomes Grangeiro era um dos filhos da grande vítima de Guaribas. Bafejado pela sorte na indústria e no comércio, homem trabalhador e equilibrado, tempos depois voltou a Porteiras e comprou o esquadro de terra onde seu pai foi morto e ali ergueu um belo mausoléu de mármore, assinalando o local do trucidamento.

As pessoas que ali transitem, mal sabem que aquele quadro de terra cercado, dentro do mato, é mais um marco do arbítrio policialesco do Ceará na década de 20 do século passado, quando os truculentos chefes de volantes policiais tudo podiam, fazendo prevalecer o direito da força sobre a força do direito.

Referências bibliográficas

AMARO; Joaquim; História do banditismo da família Santos Chicote: origem antropológica e suas causas remotas: a hereditariedade criminosa como fator dominante: a família Amaro e sua defesa; Tipografia Diário da Manhã; Recife; 1928;

IRMÃO, José Bezerra Lima; Lampião, A Raposa das Caatingas; 4ª Edição; JM Gráfica & Editora Ltda; Salvador; 2018;

MACÊDO, Joaryvar; O Império do Bacamarte: uma abordagem sobre o coronelismo no Cariri cearense; 3ª Edição; Universidade Federal do Ceará, Casa de José de Alencar, Programa Editorial; Fortaleza; 1998;

MARTINS, Mônica Dias; Açúcar no sertão: a ofensiva capitalista no Nordeste do Brasil; Fortaleza; Banco do Nordeste; 2008;

NEVES, Napoleão Tavares; Cariri – Cangaço, Coiteiros e Adjacências: crônicas cangaceiras; Editora Thesaurus; Brasília; 2009;

NÓBREGA, Fernando Maia da; Brejo Santo sua história e sua gente: de Brejo da Barbosa a Brejo Santo: Breve sinopse do município; Imprensa Oficial do Ceará; Brejo Santo; 1981;

- SILVA, Otacílio Anselmo e, Esboço Histórico do Município de Brejo Santo, em revista Itaytera N° 2, Instituto Cultural do Cariri; Crato; 1956;

SILVA, Otacílio Anselmo e; Tragédia de Guaribas; em revista Itaytera N° 16; Instituto Cultural do Cariri; Crato; 1972;

JÚNIOR, Roberto. O Fogo das Guaribas: A tragédia de Chico Chicote. In: O Fogo das Guaribas : A tragédia de Chico Chicote. [S. l.], 1 fev. 2019. Disponível em: https://cariridasantigas.com.br/o-fogo-das-guaribas-a-tragedia-de-chico-chicote/. Acesso em: 25 jan. 2022.

CABRAL, Bruno Yacub Sampaio. O Fogo das Guaribas: Casarão de Antônio Gomes Grangeiro. In: O Fogo das Guaribas : Casarão de Antônio Gomes Grangeiro. [S. l.], 19 mar. 2018. Disponível em: http://www.blogdomateussilva.com.br/2018/03/fogo-das-guariba-casarao-de-antonio.html. Acesso em: 25 jan. 2022.

Nenhum comentário:

Postar um comentário